domingo, 13 de maio de 2012

Quando a bicicleta é levada a sério


Em Londres, ciclistas têm preferência no trânsito urbano. Meta do Rio, cidade da Rio+20 e dos jogos de 2016, é ser 'capital' da bicicleta



Estima-se que una média de 30 mil pessoas usem as cerca de 8 mil bicicletas espalhadas pela cidade. Na última sexta-feira, 4 de maio, um aplicativo para celular usado para localizar as "bicicletas do Boris" mostrava 564 pontos na cidade onde os ciclistas poderiam coletar ou depositar as bikes
Olhar para Londres é um bom exercício para quem projeta o futuro do Rio de Janeiro – e, pelo menos no quesito ordenamento de trânsito, para todas as cidades brasileiras. No caso das duas sedes dos próximos Jogos Olímpicos, há um abismo de diferenças. E uma das conclusões é de que a cidade de 2016 tem muito o que pedalar para se aproximar dos ingleses quando o assunto é o uso da bicicleta como transporte cotidiano. A meta da prefeitura do Rio é chegar a 2016 como “capital da bicicleta”, com 450 quilômetros de ciclovias e 1.000 bicicletários pela cidade. Mas a julgar pelo tratamento dado a quem se arrisca para se deslocar sem poluir nem colaborar para os congestionamentos diários, será preciso mais que isso.


Como cidade da Rio+20, o Rio deveria ser um exemplo nacional. Mas a cultura vigente quando o assunto é a bicicleta ficou evidente na semana passada, com a apreensão do modelo elétrico usado pelo ciclista Marcelo Toscano Bianco, multado em 1.723,86 reais por agentes de uma blitz da Lei Seca, por estar sem capacete e não ter habilitação. O que os fiscais exigiam, no entanto, não existia: só na última segunda-feira o uso da bicicleta elétrica foi regulamentado na cidade.
Há uma frota crescente de bicicletas no trânsito do Rio, mas o uso desse tipo de veículo como modal complementar ao transporte de massa – ajudando a população a chegar a estações de trem e metrô para ir e voltar do trabalho, por exemplo – é limitadíssimo. Em parte porque os sistemas de trilhos também são deficientes, e não atendem grande parte da cidade. Quem opta pela bicicleta tem duas opções: a malha cicloviária, de cerca de 270 quilômetros, mas concentrada na parte turística da cidade, ou dividir espaço com carros, caminhões e ônibus, sem a ajuda da grande maioria dos motoristas, que consideram a bicicleta um corpo estranho no asfalto.


Londres vive o processo contrário: o crescimento das bicicletas é tão expressivo que obriga a adaptações no ordenamento do tráfego de veículos automotores. A estimativa atual é de que 500 mil londrinos usem a bicicleta pelo menos uma vez por semana. A Pesquisa Nacional de Transporte (National Transport Survey) aponta para um crescimento de 110% no uso de bicicletas na capital nos últimos 10 anos. Para acomodar esse contingente, foram criadas vias especiais e códigos de conduta que beneficiam e protegem o ciclista, o que estimula a opção pelo pedal. Londres quer seguir o exemplo exemplo de Amsterdã, na Holanda, onde as bicicletas são tão tradicionais quanto as flores, os canais e os cafés, e já está apinhada de "estacionamentos" reservados próximos às estações de trem e metrô, ou improvisados na maioria dos postes e grades da cidade. 


A diferença londrina é que muitas vezes as vias não são delimitadas e as bicicletas trafegam nas ruas, junto com os carros, ônibus e caminhões. Nos cruzamentos mais movimentados, dezenas delas se agrupam em frente aos carros. Tanto que Transport For London (TFL) já pintou recuos no asfalto e fez modificações em 500 cruzamentos considerados perigosos. Agora, quando o sinal abre, as bicicletas largam primeiro. 

Um indicativo do fenômeno é o aumento nas vendas. O mercado de bicicletas passou de 348 milhões de libras para 698 milhões em 10 anos, segundo o relatório de consumo ético do Co-operative Bank. Apesar da crise econômica mundial, o crescimento do setor foi de 4.96% em apenas um ano, de 2009 para 2010. Até mesmo empresas já se deram conta do bem que uma boa pedalada pode fazer aos empregados e incentivam o uso da bicicleta como transporte.

Anna Berlyn, 32 anos, fala de como sua vida mudou com a bicicleta, enquanto a estaciona em frente à estação de metrô de Liverpool Street. Mesmo não sendo a opção mais rápida, Anna trocou as viagens de metrô por pedaladas de 45 minutos de ida e volta do trabalho em nome de uma rotina mais saudável. "Hoje, é uma hora do dia que tiro para meditar. Vou olhando a paisagem e as pessoas. Nessa época do ano, por exemplo, é muito bonito. Adoro o cheiro da primavera", afirma a produtora de teatro. A maioria dos dias não traz tanta inspiração, com a predominância de chuva e do frio. Mas ela garante que o clima característico de Londres não intimida mais. "Até gosto da chuva. É uma questão de adaptação", diz.

Prefeito ciclista – Um dos maiores incentivadores do uso da bicicleta em Londres foi o prefeito da cidade, Boris Johnson. Desde que assumiu a prefeitura, ele estimulou a prática pedalando rumo ao trabalho e se deixando fotografar no caminho. Deu certo. E o resultou em um programa de 119,8 milhões de libras para a implementação de um programa inspirado nas Vélibs, as bicicletas que tomaram conta de Paris. A versão londrina, lançada em julho de 2010, se espalhou rapidamente e as bicicletas que carregam a propaganda do banco Barclays, que patrocina parte do esquema, logo ficaram conhecidas como "as bicicletas de Boris". Estima-se que una média de 30 mil pessoas usem as cerca de 8 mil bicicletas espalhadas pela cidade. Na última sexta-feira, 4 de maio, um aplicativo para celular usado para localizar as "bicicletas do Boris" mostrava 564 pontos na cidade onde os ciclistas poderiam coletar ou depositar as bikes. 

O aluguel de um pound pela adesão e meia hora de uso gratuito parece ter dado certo com os moradores e, em dezembro de 2010, o esquema passou a permitir que as bicicletas fossem alugadas sem a necessidade de matrícula prévia. Agora qualquer um pode alugar uma "Boris" apenas com um cartão de crédito ou débito válido. O sistema parisiense também inspirou o Bike Rio, ou as “laranjinhas” que turistas e cariocas passaram a usar, com possibilidade de usar a primeira hora sem custo, no caso dos matriculados que arcam com a mensalidade de 10 reais.

O ponto de virada, em cidades como Londres, Paris e Amsterdã, é que a bicicleta saiu do plano da exceção. Os ciclistas de Londres são politicamente ativos. Conectados via blogs, apps e redes sociais, eles se mobilizam rapidamente para terem suas demandas atendidas. Em uma demonstração de força, ocorrida no dia 27, uma centena de ciclistas carregando balões cor-de-rosa no guidão e nos capacetes trancou o cruzamento mais movimentado do centro comercial de Londres. O trânsito de veículos e de pedestres ficou parado por cerca de dez minutos em Oxford Circus até que a polícia fizesse os manifestantes seguirem adiante pela Regent Street em direção a Piccadilly Circus. 

O time dos ciclistas militantes já conseguiu mais de 30 mil assinaturas para pedir que o país adote políticas semelhantes às da Holanda, onde aproximadamente 15% das jornadas são feitas de bicicleta, contra apenas 2% no Reino Unido. 

Até abril, cinco ciclistas morreram em acidentes em Londres em 2012. No ano passado, as mortes chegaram a 16 e, em 2010, houve 10 fatalidades. Os números na década variam de 21 mortes em 2005 para oito mortes registradas em 2004. São índices pouco comparáveis com os do Brasil, que teve 40.610 mortes no trânsito em 2010, enquanto o Reino Unido teve 1.850 no mesmo ano, mas que mesmo assim causam indignação no país.

"Eu vivo em Londres há anos e escolhi a bicicleta como estilo de vida. É triste ver que pessoas estão morrendo por causa disso", protesta a búlgara Maria Peytcheva, 30 anos, que participava da mobilização em Oxford Circus. Mesmo sob os riscos, elas, grandes, pequeninas, de corrida, de trilhas, com ou sem cestinha na frente, já fazem parte do perfil da cidade. 






 

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